domingo, 30 de agosto de 2009

Exorcizando demônios

(Carvão em papel cason por Ines Mota)
Rabisco tosco de um sonho confuso.



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terça-feira, 25 de agosto de 2009

Outros Crimes Exemplares - O libidinoso

(Imagem: desconheço autoria)

Havia chegado do sepultamento do pai, triste e abalada.
Tudo que necessitava naquele momento era apoio e conforto.
Ele, de fato a confortou, abraçando-a no leito enquanto repousavam. E isso era louvável.
Mas ao fazê-lo, ficou excitado e ela pode sentir o ousado e atrevido volume que lhe tocava as coxas.
Era necessário um pouco mais de respeito num momento de tão grande dor e sofrimento.

Foi sem pensar.
E quando se deu conta, já arremessara contra ele o primeiro objeto ao alcance da mão.
Não teve culpa se o ferro de passar era tão pesado.

Ines Mota

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quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Outros Crimes Exemplares - O Glutão

(Imagem: Desconheço autoria)

Durante o jantar, quando atirou no rosto dele o conteúdo da jarra, recebeu de volta um olhar estupefacto e o som de um baque surdo.
Não morreu afogado, decerto, mas do susto. Sofria do coração.
Muito justo.
Por que diabos comer de forma tão glutona e estúpida?

Enchia o prato como se estivesse jejuando há dias e por trás da montanha alimentar ela só vislumbrava dois gulosos olhos, que por sua vez, não entreviam nada além do anseio de abarrotar a pança.
Como se não bastasse, ficava arrumando e arrebanhando com os talheres, o arroz, o feijão, a salada e a carne, tal qual se comporta um cão pastor com as ovelhas. Parecia temer que a comida fugisse.
Não satisfeito arfava e gemia de deleite.
E isso ela não suportou. Transpusera todos os seus limites de tolerância.

Inês Mota



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quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Borges e eu - Borges.

(Imagem: desconheço autoria)

Ao outro, a Borges, é que acontecem as coisas. Eu caminho por Buenos Aires e demoro-me, talvez já mecanicamente, na contemplação do arco de um saguão e da cancela; de Borges tenho notícias pelo correio e vejo o seu nome num trio de professores ou num dicionário biográfico. Agra­dam-me os relógios de areia, os mapas, a tipografia do século XVIII, as etimologias, o sabor do café e a prosa de Stevenson; o outro comunga dessas preferências, mas de um modo vaidoso que as converte em atribu­tos de um actor. Seria exagerado afirmar que a nossa relação é hostil; eu vivo, eu deixo-me viver, para que Borges possa urdir a sua literatura, e essa literatura justifica-me. Não me custa confessar que conseguiu certas páginas válidas, mas essas páginas não me podem salvar, talvez porque o bom já não seja de alguém, nem sequer do outro, mas da linguagem ou da tradição. Quanto ao mais, estou destinado a perder-me definitivamen­te, e só algum instante de mim poderá sobreviver no outro. Pouco a pouco vou-lhe cedendo tudo, ainda que me conste o seu perverso hábito de falsificar e magnificar. Espinosa entendeu que todas as coisas querem perseverar no seu ser; a pedra eternamente quer ser pedra, e o tigre um tigre. Eu hei-de ficar em Borges, não em mim (se é que sou alguém), mas reconheço-me menos nos seus livros do que em muitos outros ou no laborioso toque de uma viola. Há anos tratei de me livrar dele e passei das mitologias do arrabalde aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos agora são de Borges e terei de imaginar outras coisas. Assim, a minha vida é uma fuga e tudo perco, tudo é do esquecimento ou do outro.

Não sei qual dos dois escreve esta página.



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